É claro que o eleitorado brasileiro tem frágil educação cívica e democrática. Isso faz parte de nossa tradição autocrática, autoritária. Somos parte de uma nação que teve cerca de 300 anos de escravismo/colonialismo, outros tantos anos de ditadura, de populismo, de longa e conservadora abertura democrática após meados da década de 1980, etc.
A multiplicação de novos meios de comunicação (internet) dá oportunidade para muitas pessoas interagir em espaços públicos ou semipúblicos e, diante da pressão social representada pela exposição às opiniões alheias, as ideias políticas são apresentadas, muitas vezes, com forte conotação emocional.
Nada disso é novidade. Mas a quantidade de pessoas interagindo é inusitada. Até o final do século 20 apenas alguns milhares de cidadãos discutiam e expressavam suas opiniões políticas. Nas regiões mais conservadoras tratar de politica em reuniões de família era o mesmo que correr o risco de provocar brigas. Era preciso evitar falar disso em nome da harmonia familiar. Em público, então, nem se falava de política.
Mas nos últimos anos essa realidade vem mudando muito. A pressão física e cultural agora tem sido superada por facilidades de acesso à informação (e às notícias falsas), às opiniões de múltiplos grupos e cidadãos. Mesmo o sujeito que dizia não gostar de política acaba mordendo a isca, por assim dizer, e começa a manifestar seu pensamento a favor ou contra alguma ideia. As trocas de mensagens se sucedem e as interações estimulam leituras, contribuindo para a formação de opiniões, etc. Quem "curte" uma ideia dá a entender algo pouco definido, que pode ser uma aprovação genérica, um agradecimento ou simplesmente um sinal de receptividade.
A ampliação e pluralização da democracia brasileira está em curso, mas muito mais pelo uso das novas formas de mídias do que por estímulo dos três poderes (judiciário, parlamento e poder executivo) e muito menos pelos grandes partidos políticos. Estes últimos estão entrincheirados atrás do foro privilegiado de seus dirigentes e dos recursos burocráticos que montaram para escapar do escrutínio da sociedade e da investigação jornalística.
A imprensa tradicional (jornais, rádios, emissoras de TV) tem perdido qualidade, em parte, mas também tem, paradoxalmente, conquistado novos recursos de checagem da informação e de interação com seus públicos, o que viabiliza maior consistência informativa, em princípio. Há um processo de abertura e democratização dos meios de comunicação tradicionais no contato com as novas mídias, que tem efeitos variados, negativos e positivos.
A sobrecarga informativa dos vários públicos (som, imagem, textos em grande quantidade) pode representar perplexidade e outros obstáculos à interpretação e compreensão das notícias. A superinformação pode ter o mesmo efeito que a desinformação, ou seja, a incapacidade de processar, de organizar a informação para chegar a algum conhecimento e daí à ação consciente, racional.
Por outro lado os "debates" nas novas arenas ou mídias têm o efeito da "pressão social-virtual": dizer algo em público sempre tem um peso maior do que em particular. Se por um lado é possível ofender, agredir, descarregar o ódio, sem estar ao alcance de uma bofetada por parte de seu interlocutor, por outro o risco de "passar vergonha" devido a uma resposta também agressiva ou irônica é bem presente, até comum. É parte da "nova cultura": discutir política como quem participa de um tiroteio verborrágico!
A ampliação da democracia ocorre apesar e na contramão da reação dos setores autocráticos, autoritários, que buscam decidir as coisas pela força, pela ameaça de morte ou à bala, literalmente.